Tentando fazer as pazes com a comida


 

Eu vivi praticamente a minha vida toda de dieta. Mesmo que eu não estivesse oficialmente de dieta, eu sempre seguia regras em relação à comida que eu achava que deveriam ser seguidas. Meu corpo é bem parecido com o da minha mãe e ela também sempre fez dieta. Eu cresci lendo as revistas dela (Corpo a Corpo, Dieta Já, Boa Forma) e vendo tudo ali como o certo e o corpo das mulheres como o sonho a ser alcançado. Quando criança, eu tomava corticoides para o tratamento da artrite e isso fazia com que eu fosse inchada e tivesse mais apetite (apesar de eu nunca ter comido descontroladamente). Quando criança o reumatologista falava que eu tinha que fazer dieta e controlar o que como. Ele usava o exemplo do filho dele que comida uma lata inteira de leite condensado com Nescau, falando para eu não fazer esse tipo de coisa. Eu nunca passei nem perto disso. Quando a gente ia comer bolacha, Bis, essas coisas, minha mãe sempre falava que era no máximo 4. E isso sempre me satisfez. Mas eu sempre achava que comia demais, que devia controlar doces e outras "porcarias". 

Eu sempre tive uma autoimagem muito ruim, principalmente por conta da minha altura. Sempre fui muito baixa e isso era motivo para outras crianças (e às vezes adultos) fazerem comentários e piadinhas. Também era tímida, quietinha e insegura. Tudo isso somado à visão que eu tinha do meu peso (grande parte influenciada por outras pessoas) fez com que eu crescesse com uma relação disfuncional com meu corpo e com a comida. 

Quando parei de usar corticoide, eu comecei a desinchar e emagrecer e gostei disso. Então comecei a comer cada vez menos e passei um ano todo em uma dieta rígida criada por mim mesma. Estava super magra, mas não via isso. Um dia passei mal por não ter comido direito e meus pais me fizeram voltar a comer de forma mais normal. Recuperei um pouco o peso, mas continuei magra por uns anos (vejo isso agora, na época achava que estava gorda). Sempre dando um jeito de seguir as regras da comida, tentando comer pouco, compensando se eu achava que tinha comido demais, tirando miolo do pão, evitando carboidrato de noite, etc. 

Quando fiquei adulta, entrei em um ciclo de engordar e emagrecer, sempre restringindo o que eu comia por um tempo e não conseguindo manter. Depois de me formar na faculdade passei um tempo só em casa estudando para concurso e não estava bem psicologicamente, o que me fez engordar um pouco mais. Após uma crise de artrite comecei um tratamento com meu reumatologista atual, que é um ótimo médico mas me deixou mais do que nunca insegura e culpada pelo meu peso. Influenciada por ele fiz dieta novamente e emagreci bastante. Mas adivinhem? Não consegui manter por muito tempo, mas fiquei no que vinha sendo meu peso médio. Até que veio a pandemia. Eu engordei muito mais do que já tinha engordado e praticamente parei com todas atividades físicas. Mantive o Pilates online, mas não era a mesma coisa. A incerteza e a ansiedade do período me fizeram comer muito emocionalmente. Fiz algumas tentativas de emagrecer mas me sentia bem desmotivada. Minha autoestima estava péssima e morria de medo de encontrar as pessoas novamente, porque na minha cabeça todo mundo ia reparar que eu tinha engordado e me julgar. 

Muitas coisas aconteceram nesses anos, até que num momento que eu estava muito mal comigo mesma, resolvi ir atrás de uma nutricionista e fazer uma dieta acompanhada. Até chegar aí já tinha lido livros de dieta (dos mais variados tipos), de alimentação intuitiva, tentado um remédio para emagrecer (o que está na moda atualmente e me fez tão mal que nunca mais quis usar nada do tipo)....e o que fez mais sentido para mim foi a alimentação intuitiva. Eu já tinha seguido por um tempo e estava vendo resultados. Não no meu corpo, mas sim no meu comportamento, mas meu corpo e meu peso sempre eram prioridade e acabei parando. 

Ao mesmo tempo que eu tentava rejeitar a mentalidade de dieta, porque comecei a pesquisar mais sobre isso e sabia que não funcionava de forma definitiva por ter vivido a vida assim, no fundo no fundo acreditava que seria a única solução. Então procurei uma nutricionista que fosse mais por um "caminho do meio". No perfil dela estava escrito "Te ajudo a emagrecer comendo o que você gosta". Claro que não imaginei que ia emagrecer comendo chocolate, bolo, etc, mas me pareceu promissor. A parte mais difícil da minha alimentação sempre foi o jantar, porque odeio jantar comida, preferindo um lanche, alguma coisa mais como um segundo café da manhã. Mas no geral eu me alimento muito bem, gosto de frutas, verduras, legumes, quase não como frituras e não como em grandes quantidades. 

Na primeira consulta foi tudo ótimo, expliquei quais eram minhas restrições, que eu tinha medo e culpa por comer coisas como arroz e pão, quais era meus objetivos, etc. Ela me passou um plano alimentar que eu adorei, tinha até mais quantidade de comida do que eu costumava me permitir comer e estava bem adequado às minhas preferências. Ela também falou que achava que em 6 meses eu conseguiria atingir minha meta de emagrecimento. Achei bem fora da realidade porque sei que tenho dificuldade de emagrecer, mas ouvir ela falando me fez tão bem, que acreditei por um momento. Hoje acho que era para vender o pacote dela de 6 meses (que eu comprei). Eu deveria fotografar e descrever minhas refeições (que deveriam ser pesadas) no aplicativo dela e teria 2 refeições livres por semana. 

No primeiro mês estava bem animada e segui bem o que tinha sido proposto. Não estava passando fome (que era uma das minhas condições para manter a dieta) e apesar de não gostar de ficar pesando e fotografando a comida, estava ok. Chegou a 2ª consulta e eu só tinha emagrecido uns 300g, algo assim. Então ela começou a cortar quantidades e incluir coisas que eu não gostava (janta tipo comida e com pouco carboidrato). E a cada vez que eu passava na consulta ela fazia ajustes e reduzia porções. Uma colher de aveia aqui, uma fruta com muito carboidrato ali, o carboidrato na janta, coisas low carb - que pra mim não passam de omelete disfarçado.... Mas sempre me garantindo que eu não iria passar fome, afinal, podia comer legumes a vontade. Só que eu estava ficando com fome e me culpando por estar com fome. Porque se ela calculou aquela porção, aquilo deveria me satisfazer. Para mim era falta de vontade e esforço. E aí comecei a ficar obcecada pela próxima refeição, pensando o tempo todo que não poderia sentir fome antes da hora. Também fiquei viciada em procurar receitas fitness no Tik Tok.  

Quando chegava o final de semana e minha refeição livre, não estava conseguindo me controlar. Comia mais doce e comida do que eu estava comendo, porque tinha que aproveitar aquele momento. E percebi que nos primeiros meses (tirando o primeiro mês que estava ok), só estava seguindo certinho porque ficava tirando foto e postando no aplicativo para ela avaliar minha refeição e não queria passar vergonha. Mas não é uma prova, é comida. Não deveria receber uma nota pelo que eu como. Comi "besteira'", nota 2. Isso para quem tem uma auto estima baixa é horrível. Você atrela o que você come ao seu valor. 

Eu continuei não emagrecendo e estava cada vez com mais culpa por comer e ficar com fome ou por comer algo fora da dieta. Até que um dia conversando com meu namorado depois de me sentir mal por ter tomado um pouco mais de vitamina que ele (achando que iria engordar), percebi o quanto tudo isso estava me fazendo mal. Eu estou cansada e não quero mais viver assim. Não quero me sentir horrível por comer determinado alimento ou não ter autonomia sobre o que/quanto como. Resolvi que não quero mais fazer dietas e quero voltar para a alimentação intuitiva. Isso faz umas duas, três semanas e minha alimentação nem mudou tanto, continuo seguindo grande parte do que tinha no plano alimentar. Porque minha alimentação já era boa antes. Mas agora sinto a liberdade de comer o quanto preciso em determinado dia ou o que eu quero na janta. Não está sendo fácil e já tive uns momentos de recaída e pensamentos ruins sobre mim. Mas sigo determinada a continuar, mesmo sabendo que é difícil, que ainda vou ouvir muitos comentários sobre dieta, sobre meu corpo, minha alimentação. Acho que já cheguei num ponto que não aguento mais colocar tanto peso, ódio e pressão sobre mim mesma pelo simples ato de comer. Ainda quero emagrecer, mas quero fazer isso de uma forma mais gentil e sem estipular metas ou prazos. Sem achar que quando eu emagrecer vou ser feliz. Porque isso já aconteceu várias vezes e eu sempre arrumava outra coisa para me sentir insatisfeita. Dessa vez quero fazer as pazes definitivas com a comida e comigo mesma. 

Comentários

  1. Nossa eu me identifiquei tanto. Hoje vejo fotos de quando era mais jovem e me achava “cheinha” e as pessoas tbm falavam que eu não era exatamente magra… e gente… como a sociedade pode ser tão doente. Hoje, com sobrepeso me culpo muito a cada dia, e tbm passo por semanas em que como até que ok (mas com app de calorias) e semanas que eu não consigo ou fujo desse monitoramento. Hj faço academia mas não consigo ser constante e meus problemas de coluna tbm não ajuda a treinar o suficiente pra ter uma boa queima calórica. Pelo menos é assim que eu vejo. Tbm estou tentando um equilíbrio por aqui… a pior coisa é adiar visitar uma amiga ou parente pq vc sabe que engordou desde a última vez que se viram… enfim! Seguimos … e espero que a gente fique bem

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