Resenha: A garota que tinha medo

Marina é uma jovem que faz tratamento para a síndrome do pânico. Às voltas com o ingresso na universidade, um novo romance e novas experiências, Marina tem seu primeiro ataque de pânico. Sua vida vira de cabeça para baixo no momento mais inapropriado possível e então psiquiatras e psicólogos entram em cena. Acompanhamos suas idas ao psiquiatra e ao psicólogo, o tratamento farmacológico e a psicoterapia. Ao mesmo tempo, conhecemos detalhes de sua vida amorosa e sexual, universitária e profissional, social e familiar na medida em que elas são marcadas pela síndrome. Um tema atual. Uma excelente obra tanto para conhecimento do quadro clínico como entretenimento, narrada com maestria de uma sensibilidade notável. 


Número de páginas: 280
ISBN: 978-989-51-2331-5
Autores: Breno Melo  
Editora: Chiado Editora
Idioma: português 
Gênero: Ficção


Recebi esse livro de parceria com o autor, Breno Melo, após contato no Skoob. Li a sinopse do livro e vi algumas resenhas e o tema me interessou muito, principalmente por questões pessoais, que explicarei após a resenha. Esse é um daqueles livros em que é impossível não se identificar com a protagonista, seus dilemas e dúvidas, quer você tenha síndrome do pânico (ou algum outro tipo de distúrbio mental) ou não. Foi uma leitura muito rápida, gostosa e também informativa, então vem ver o que eu achei :)

Acompanhamos a vida de Marina dos 18 aos 25 anos, narrando suas crises do pânico, desde um pouco antes de elas começarem, passando pelo diagnóstico, pelos tratamentos e principalmente contando como sua vida foi afetada por elas. Marina levava uma vida comum e banal de classe média, como descrito por ela. Era perfeccionista, ansiosa ao extremo, um pouco antissocial e preferia em muitas ocasiões a companhia de livros a de pessoas  (ou seja, eu). 

"Alguém programou minhas esperanças no "modo negativo" em vez de programá-las no "modo positivo". Eu receio o que acontecerá no minuto seguinte. Me preocupo facilmente, tento colocar cada coisa em seu lugar para evitar imprevistos, odeio novidades ou situações que fujam a meu controle. Tenho medo de tudo, especialmente do desconhecido. Sou ansiosa e sofro antecipadamente. Me contrate como operária para construir um prédio, e eu estarei erguendo o segundo andar antes de ter concluído o primeiro."

Um pouco antes de suas crises começarem, ela havia passado por um período de estresse intenso, estudando para o vestibular e sendo pressionada e cobrada constantemente por sua mãe, que praticamente não a deixava ter uma vida além dos estudos. Marina conseguiu passar na Universidade que desejava, fez novos amigos e estava namorando um garoto que ela acreditava amar, Júlio...tudo parecia estar em seu devido lugar. 

Em um dia normal enquanto estava se arrumando para sair com Júlio, Marina começa a ter o pior mal estar que já sentira na vida: seu coração e sua respiração aceleraram, suas mãos e seus pés começaram a formigar, ela sentia dificuldade de respirar e sua visão escureceu. Não entendendo o que estava acontecendo, e com medo de morrer, começou a gritar e assim permaneceu por aproximadamente 30 minutos, quando os gritos e esses sintomas cessaram e outros começaram, como cansaço, dor de cabeça e diarreia. Sua família e seu namorado, que presenciaram parte do ataque também não entenderam o que estava acontecendo e novas crises se seguiram até que Marina fosse diagnosticada com síndrome do pânico. 

Até esse diagnóstico acontecer sua vida foi totalmente afetada pelas crises. Ela foi considerada louca por muitas pessoas que a viram ter um ataque de pânico, inclusive pessoas próximas, o que contribuiu para que ela deixasse de frequentar muitos lugares e abandonar suas atividades rotineiras. Outras pessoas, como seu próprio irmão, a chamavam de fresca e não procuravam entender o que realmente estava acontecendo com Marina. Só após passar pela segunda vez por um médico após ter um ataque é que recebeu o possível diagnóstico de síndrome do pânico e passou a ter os devidos acompanhamento e tratamento, com psiquiatra, remédios e psicólogo, que a ajudava a entender a origem da síndrome. A partir daí vamos acompanhando Marina lutando contra seus próprios medos e fazendo de tudo para retomar o controle de sua vida... e o resto não irei contar porque senão perde a graça. 

Como eu havia dito, li esse livro muito rápido, gostei bastante da escrita do Breno e marquei várias passagens incríveis durante a leitura. Também aprendi muitas coisas sobre a síndrome do pânico e o relato feito por Marina parece tão real, que ela mesma parece real. Temos a impressão do livro contar a história de vida de uma pessoa que realmente existe/existiu e não ser uma obra de ficção. 

A diagramação é simples e muito agradável e as páginas são amareladas.




Quanto à minha identificação pessoal com a história, eu fui diagnosticada com Transtorno Obsessivo-Compulsivo, TOC quando estava no terceiro ano do ensino médio e estava estudando para o vestibular, assim como Marina. TOC mesmo, não quando alguém posta imagem de alguma coisa torta no Facebook e fala que sofre de TOC porque aquilo a incomoda. Aliás, por incrível que pareça, com exceção dos meus códigos dos meus programas que eu fico identando toda hora, coisas fora do lugar ou tortas não me incomodam muito. Os principais sintomas que eu enfrentava era me preocupar absurdamente com sujeira, achar que ia me contaminar com tudo e checar e revisar as coisas, como verificar mil vezes se a porta estava trancada ou não estava vazando gás do fogão. 

Isso era um inferno, porque você não conseguir encostar em determinado objeto ou lugar de jeito nenhum ou ficar verificando sua comida porque cismou que tem alguma sujeira não é considerado muito normal pelas outras pessoas. Não conseguia ir a alguns lugares por medo de ter que usar o banheiro público, ou ter que encostar naquelas barras de apoio do ônibus/metrô, lavava minha mão mil vezes ao dia a ponto de machucar a pele, ficava levantando antes de dormir para ir ver a porta e o fogão várias vezes, entre outras coisas. Eu também não entendia o que estava acontecendo comigo, e ser chamada de fresca por muita gente também não ajudava em nada. Não era frescura, não era algo que eu fazia/deixava de fazer porque eu queria, mas algumas pessoas não entendiam, ou simplesmente não queriam entender.

Eu fiz tratamento primeiro com uma psicóloga e depois com uma psiquiatra. O que me ajudou mesmo foi o tratamento com a psiquiatra, mas acho que se tivesse feito os dois ao mesmo tempo e se eu conseguisse me abrir de verdade, a psicóloga também teria me ajudado. Eu melhorei muito com os remédios, porém essa melhora foi até certo ponto. O resto foi com força de vontade para controlar meus pensamentos, me forçando a pensar que eu não ia morrer, nem nada de horrível iria acontecer se eu não lavasse minha mão ou checasse a porta a toda hora. Quando eu notei uma grande melhora, eu optei por parar o tratamento. Não sei se deveria ter feito acompanhamento por mais tempo, mas hoje em dia eu estou muito melhor e acho que consigo controlar grande parte dos sintomas, mas o álcool gel ainda é meu melhor amigo quando pego transporte público ou uso banheiros públicos rs.   

Meu "desabafo" pessoal foi apenas para reforçar a importância da conscientização das outras pessoas quanto aos transtornos mentais, que são encarados muitas vezes sem a devida importância que merecem. Isso faz com que as pessoas que sofrem com eles fiquem ainda piores, o que pode levar a consequências graves dependendo do tipo e da intensidade da doença. 

Dito tudo isso, recomento muito a leitura desse livro! 

"Minha mente é mais complexa, possui partes que eu mesma desconheço e que influem no meu comportamento. Sou tão dona de mim quanto sou capaz de me enganar. Além disso, experimento conflitos internos que me paralisam, de modo que não posso ser a mocinha alegre da maioria dos romances, se entendemos que alegria é ação e ritmo rápido.  (...)
Devo dizer mais? Eu tinha partes internas dilatadas por sentimentos que desconhecia. Eu tinha um coração enorme e mãos pequenas, uma boca pequena, um corpo pequeno. Eu estava inapta para esta realidade, que exigia um coração menor, mãos maiores, uma boca maior, um corpo maior. Eu tentava ser perfeita e não me adaptava a uma realidade imperfeita, cheia de buracos e lacunas."

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